domingo, 28 de março de 2010

Fico remoendo sobre o que os apresentadores de jornal ficam conversando quando começam a passar os créditos e seu microfone fica mudo. Deve ser constrangedor. Algo como:

"Patrícia, esse momento é engraçado não é? Ficarmos fingindo que conversamos só para aparecer no fundo dos créditos do Fantástico" Zeca Camargo deve falar isso sorrindo e gesticulando gestos nada condizentes com o "assunto".

"Poisé, Zeca, antes de apresentar o jornal eu nunca tinha pensado sobre isso, esse momento é meio constrangedor" Patrícia Poeta deve rir, um pouco por que acha graça e um pouco porque precisa estar sorrindo nesse momento: Coisas do contrato.
E continuam falando e fingindo gesticular, perguntar e sorrir.

Todo o domingo, o mesmo assunto. Devem fazer piadinhas sobre isso durante a semana, e, eventualmente, lembrar das piadinhas durante o momento dos créditos e, por isso, sorrir de um jeito um pouco mais natural. Se for uma boa piada, Patricia deve até gargalhar: Silenciosa para quem a vê na televisão, mas barulhenta no estúdio.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Eu não acredito no presente


Vivo o agora, esse ar estagnado
o calor sufocante de dar calafrio
e, fosse o caso, viveria o frio
porém, vivo o momento no quarto abafado

Outrora, fechei a janela, inutilmente
mas, ora, passou! E foi inútil!
E tal ocasião, indiferente e fútil
não existe senão em minha memória recente

E vai-se embora, cedo ou tarde,a memória
em caso de esquecimento ou morte
e não faço uso de minha sorte:
Não creio nem duvido de futura glória

Vivo somente a parede, alva e agora
mas que parece diferente a cada pedacinho de momento
e - quem diria - não me encontro no tempo
pois fogem-me milhares de segundos toda a hora

(O "agora" virou, da parede, adjetivo...
ironicamente abstrato como quase tudo
não sei se a cada segundo mudo
ou continuo aquele mesmo de meu arquivo)

Podia estar quente, mas é verão
mas... Espere! Sinto uma brisa, UM VENTO!
Aquele presente quente me fugiu 'num momento
e juntou-se o outono à minha solidão

E, só, registro o momento em arte
já que ele é fugidio, o apanho no ar
e o prendo na folha, ensino-o a voar
provando sua existência, em parte.

Outra parte, a que sobrou, é o que sou
não sou o AGORA. Sou como os restantes:
Ou futuro que virá (virá?), ou antes:
O passado que passou


*não gosto de coisa longa porque cansa de ler, mas tudo bem

quarta-feira, 10 de março de 2010

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Se eu fosse o Claude ficaria triste, depois ia tomar uma gelada com os santos e ficava numa boa

É tudo culpa da camisa

Zé ergue o braço, tímido, ora levantando o dedo onde carregava uma discreta aliança dourada, e tenta pedir o primeiro chopp pro garçom.
-Amigo, ei amigo, ami...
E o garçon não o vê (ou vê?). Zé tinha suas dúvidas:
"Deve estar me achando com cara de pobre... Será que tenho cara de pobre? Devia ter
vindo mesmo com uma camisa social... Ah, mas o Manuel falou que assim parecia mais jovem. DEVIA TER VINDO DE SOCIAL"

O garçom finalmente, após três tentativas frustadas, faz um sinal de "já vou" com a palma da mão aberta. Alguns minutos depois chega à melancólica e solitária mesa de Zé.

-O que o senhor deseja?
-U... Um choppinho
"Será que não é ridículo pedir um chopINHO? Ah, o garçom deve estar querendo rir de minha cara" Zé pensa inseguro...
-E qual seria o chopp, senhor?
Zé não entende NADA de chopp, só bebe, tanto fazia o chopp oras...
-Quais o senhor têm?
-A casa serve Eisenbahn e Krieg, senhor
Para José, o garçom falava grego. Optou pelo que, segundo ele, tinha cara de mais barato, pois o nome lhe era mais familiar.
-Eisenbahn (e se atrapalhou todo na pronúncia), por favor. (Krieger era muito "menos caro")

A espera pelo chopp parecia eterna, ele cogitava, a cada 60 segundos, perguntar se mandaram pedir seu "Aizenbarrãm". Após uns 7 minutos, chegou. José agradeceu o garçom e, após neuróticos segundos pensando sobre seu pedido de "choppinho" (e, ora se envergonhando, ora achando natural), finalmente dá uma olhada em volta.
O bar é chique, cheio de grupos de amigos, amigas, gente nova e velha. Ninguém sozinho ("o que pensam de mim, aqui sozinho... Que não tenho amigos? Vou mostrar praquelezinhos da mesa do lado como tenho um monte de amigos em Floripa, um dia trago o pessoal todo aqui!")

Zé toma seu chopp. Já menos desinibido, pede mais um CHOPP para o garçom (nada de "zinho").
Bebe feito água. Pede mais um com um gesto, levantando o copo vazio, e mais outro, e assim sucessivamente. Começa a observar algumas pessoas com curiosidade: Um homem, em um grupo de amigos, falando com uma mulher intimamente, esperando a hora correta de dar o "bote". Ele torce pra que o homem não consiga. Pura Inveja.
Depois de 5 chopps (ele olha na comanda pra lembrar quantos tomou), algo muda no bar. Uma mulher entra. DUAS, ela tem uma amiga. João treme na base.
Ora, não estava em São Paulo para negócios? O que fazia no bar? Será que aquele discurso de Manuel sobre mulheres valia "Ah, Zé, lá em "Sampa", a Marcinha nunca vai desconfiar de nada, pô!". A sensação de liberdade, de estar pela primeira vez tão longe da esposa, o permite olhar descaradamente para a loura linda e a morena "meia-boca" (como ele descreve em sua própria mente) que adentravam aquele estabelecimento onde se encontrava sua solitária, mas cada vez menos melancólica mesa.
Zé espera que uma delas retribua seu olhar, e torce para que sentem-se na mesa ao lado, de onde o homem, o qual antes cortejava a mulher, fora embora com o grupo, sem ter beijado a mulher, para a alegria ridícula de José.

Elas sentam-se na citada mesa. Zé mal pode conter o ímpeto de comemorar, e chega a cerrar o punho direito e vibrar discretamente. Pensa na esposa, nos filhos, mas depois do oitavo chopp, já pensa diferente "Vá tudo pro inferno, aconteceu em São Paulo, fica em São Paulo!"

José, já menos tímido, pede mais um chopp:
-AÍ CAMARADA, EI! MANDA MAIS UM AQUI PRO ZÉZINHO!
Esse era o último. O último antes de ir falar com uma das duas. Com a "meia-boca", pois a bonita, era "areia demais pro caminhãozinho dele". Como ele queria que Manoel estivesse lá, com sua confiança inabalável, para conversar com a outra enquanto ele encaminhava seu primeiro (e "ÚNICO, ÚNICO!" Adultério). Após o último chopp, se sentindo bêbado o suficiente pra falar com a morena, após olhar insistentemente para ela a noite toda, recebendo, vez ou outra, olhares tão discretos que o faziam desconfiar de que fossem somente uma passagem de olhos, como os que ele antes dera em todos do bar. Esse fato o fez, mais uma vez, fraquejar no momento crucial. Mais um chopp, "o último e pronto!" pensava.

"E a camiseta, pareço um favelado com essa camiseta! Só o Manuel mesmo pra me dar um conselho de merda desses! Ela vai achar ridículo"

Precisou de mais 3 "últimos e pronto!", até que tomou alguma coragem, encheu o pulmão de ar, e cutucou a "meia-boca" incrivelmente embriagado e tímido.

-Oi, posossaberseunomi?
"NÃÃÃO! O QUE FOI QUE EU FIZ, FALEI ENROLADO, FALEI BAIXO, INSEGURO, RIDÍCULO" sentiu-se sóbrio instantaneamente.
-Suellen_ respondeu a moça, seca.
"ELA ENTENDEU! UHUL! E AGORA, E AGORA, O QUE PERGUNTO? MEU DEUS, E A MARCINHA LÁ EM FLORIPA, E MEUS FILHOS... O QUE EU FAÇO?" Ficou uns 10 segundos parado encarando a desinteressada morena, até que teve uma luz. Uma luz fraquinha, amarelada em sua mente... Mas "antes falar bobagem que ficar lá, parado como um... como uma... parede(?)"
-Tens horas?
-O QUE?
Ele aponta pra um relógio imaginário no pulso
-Horas (e sorri amarelo)

Ela entende, responde, ele nem ouve. Pede a conta. Faz uns cálculos de bêbado e calcula 60 reais. "Uns 70 ainda é meio barato, porque tem os 10%. 80 é O.K. Se for 90, tá caro, aí sim, tá caro." A conta chega. 75 reais. Paga no cartão, achando barato e levanta-se meio empurrando a mesa, o que o deixa envergonhado.
Tenta passar ao lado da mesa das moças parecendo confiante, mesmo já tendo desistido de qualquer investida, mas enquanto passa ele se sente meio curvado de tensão. Quando está quase na porta, a morena o chama:

-Ei, senhor, esqueceu o celular!
SENHOR?! Ele podia aguentar tudo, menos um "senhor". Nem a camiseta descolada o ajudara a parecer mais jovem? Existe senhor de 35 anos? Profundamente ofendido, foi até a mesa, pegou o celular, sem nada dizer, e ia indo-se embora, quando a morena novamente o dirigiu a palavra:
-Ei, senhor, não quer saber o nome da minha amiga? É Daniela, pode chamar ela de Dani. Ela queria te conhecer melhor...
-EU SOU UM HOMEM CASADO, NÃO ESTÁ VENDO A ALIANÇA, SENHORA?!
Falou num impulso sem pensar. A loura caiu no choro. Zé saiu da porta bufando, bravo não só com a morena, mas consigo mesmo. "O que foi que eu fiz?".

Conformou-se com o fato que sua esposa também era muita areia pro seu caminhãozinho, e que fez o certo, estava de consciência limpa. Chegou no hotel, de táxi, com um remorso contínuo, ora por desperdiçar a loura, ora por ter tido intenção de trair a esposa, e com um falso alívio por ter alguém em casa esperando por ele.
Quando entrou no quarto eram 6:30. Ligou pra Marcinha, bêbado e com saudade, pra avisar que "estava acordando". Ela atendeu com vóz de sono:
-Oi, amor, já acordou assim tão cedo?
-Zimm, amor, (soluça), tô indo pra reunião
-Está bem, amanhã a gente se vê, estou morrendo de saudade.
-Eu tambééi amor! Te amo! (Ele nunca falava isso)
Na casa de Zé, Manoel cochichava no ouvido de Marcinha
-desliga isso logo e volta pra cá, benzinho.
Marcinha fez o que Manoel pediu.
"Ah, ele lá de São Paulo nunca vai desconfiar" pensava ela, induzida pelo poder de convencimento da confiança de Manuel"

José dormiu. No outro dia acordou, fez o que havia ser feito em São Paulo, e voltou pra casa. Viveu sempre infeliz ao lado de Marcinha, assombrado pelo choro desamparado daquela loura linda. Apesar de ir a São Paulo quase todo fim de semana, nunca traiu. Manoel, que seguiu amigo do casal até a morte, visitava quase semanalmente a solitária e nada melancólica casa do amigo quando o mesmo se ausentava.

Certa vez, aos 90 anos, Manoel contou tudo sobre o caso com a já falecida esposa do amigo, o qual deu de ombros... Nem prestou muita atenção. José amava mesmo era aquela liberdade que ele perdeu em São Paulo nas lágrimas da loura ("linda, linda, loura")
-Porra, Mané, que merda de camisa foi aquela que tu mandou eu usar? Foi tudo culpa daquela merda! Minha vida toda, passei preso na porra da Marcinha, ela que fosse embora com você então. Eu não tive forças, sou um fraco, e foi tudo culpa da merda da camisa... A merda da camisa (e repetia sem parar essa frase )
-Pô, Zé, achei legal a mensagem da camisa...
José não entendeu, nem quis.
Era preta, meio colada no corpo, com escritos em brancos, nas costas, nunca antes vistos por José, "O Senhor é meu pastor".
A culpa não era da "merda" da camisa. Mas ninguém teria coragem de dizer que era da "merda" do Senhor... Foi!