sábado, 21 de junho de 2008

O Dia em que Deus voltou de Férias

"Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males?
Por que razão é que não os impede?" Epicuro



Um dia Ele superaria o trauma. Ora, a perda do mais querido filho é coisa dura de se agüentar. Jesus fora mesmo o mais querido, era inegável, apesar do amor infinito de Deus por todos. Finalmente era chegada a hora do retorno e os quase dois mil anos isolado do universo pareciam agora poucos segundos enquanto caminhava lentamente com seu cajado e sua alva e longa barba sobre as primeiras nuvens do céu.
Ia chegando devagar, considerando-se quase um forasteiro nas terras que Ele próprio criara. Admirou sua criação com certo orgulho, talvez uma ponta de soberba: Os morros, os oceanos, as planícies, tudo lhe parecia tão belo perfeitamente recortado em desenhos mágicos. Não era assim o universo em sua memória. Quanto mais adentrava os céus, mais ia esquecendo o encanto que o tomara no início, preocupando-se com um certo acinzentar das nuvens sobre a Terra.
Em sua ausência, Deus deixou os tolos humanos tomando conta do planeta imaginando serem eles tão inócuos que não conseguiriam alterá-lo drasticamente. Ele subestimou-nos. O planeta estava em frangalhos, a fome, as guerras, as doenças, os roubos, homicídios, acidentes: Tudo isso assolava o mundo com uma abrangência impressionante. Mesmo seus padres, seus santos, seus monges, seus missionários: TODOS eram atingidos por um desejo de querer o bem próprio e o mal do próximo.
Deus agiu rápido. Recebeu os bilhões de pedidos que foram feitos nas orações em sua ausência e concedeu muitos deles, gerando agradecimentos generosos. Porém, outra parecela da população - aquela que não fora de fato ajudada - indignava-se, questionando até mesmo a existência divina. A satisfação de uns era a desconfiança de outros.
Tentou agradar a todos: Primeiro, concedeu comida em abundância, na maior safra agrícola já vista na face da terra, mas os donos das plantações ficaram com todo o lucro. Depois, criou florestas maravilhosas e jazidas minerais abundantes, para embelezar o mundo, porém foram logo consumidas e desertificadas. Já desesperado, decidiu dar a todos muito dinheiro. Logicamente foi em vão, pois rapidamente desvalorizou-se completamente o valor de qualquer moeda, gerando uma crise imensa.
Finalmente desistiu. Irritou-se com a insistência humana em viver conflitante, não quis mais saber de ajudá-los e foi tirar umas merecidas férias de mais uns milhares de anos.
Em um último momento no universo, lembrou-se com asco de quando criou a raça humana. Ele nos fez mesmo à sua imagem, mas semelhanças a parte - lembrou-se receoso- deu-nos algum poder, coisa que Ele próprio julgava não possuir.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Macrômegas e Micrômegas

Leiam se tiverem paciência, é relativamente longo mas não acho cansativo.

Há hoje, apesar de todas as revoluções da ciência, milhares de questões completamente sem respostas ou com respostas tão vagas que mais confundem que explicam: Questões sobre a origem do universo, o propósito da vida, o futuro... "Tolo é quem pensa que chegaremos a respostas concretas", diria John Locke. Mas ouvi dizer por ai nos bares do universo que duas bactérias chegaram muito perto disso: Macrômegas e Micrômegas eram seus nomes, moraram todos seus longos minutos de vida em um grão de areia que voava ao sabor do vento em um parque infantil. Assim me contou alguém de quem não me recordo:

Nasceu primeiro Macrômegas, nome que muito se adapta aos pequenos, um vibrião (em forma de virgula) que muito assemelhava-se a um feijão. Viveu contente alguns segundos explorando como um nômade os recursos que aquele grão de areia lhe fornecia, mas logo cansou-se e preferiu fazer uma casa de calcário e ficar morando em um só lugar. Ficava lá o dia todo pensando, inventou uma escrita pra poder se recordar do que pensara, e vivia fazendo anotações sobre quase tudo. Descobriu que o ar pesa cerca de novecentas vezes menos que o mesmo volume de água, percebeu as propriedades da matéria e até deduziu alguns teoremas de Euclides (tanto quanto o medíocre Blaise Pascal).
Um dia cansou-se da solidão e do sedentarismo, dividiu-se e deu origem à Micrômegas, que era exatamente idêntico a ele mesmo, como previra, afinal, nada mais comum e banal na natureza.
No início teve dificuldade em explicar ao seu "filho" o mundo onde moravam, mas logo inventou uma forma simples de comunicar-se e começaram a ter discussões construtivas sobre seu mundo e suas vidas. Concordavam em algumas dezenas de pontos que compreendiam e discordavam nos milhares que não entendiam, mas aos poucos foram se acertando. Convenceram um ao outro e chegaram a consensos em questões demais complexas, onde não há consenso senão entre no máximo uma dúzia de pessoas no mundo. Certo dia Micrômegas, inexperiente, chegou a uma conclusão:
"Ora" disse pensativo "se já conhecemos toda a matéria (tinham uma belíssima tabela periódica com 5 elementos), já sabemos nossa origem (acreditavam terem sido criados por um ser superior, talvez com alguns decímetros de altura), já diferenciamos a metafísica da matéria,
descobrimos a rota que nosso mundo (o "enorme" grão de areia) faz, sabemos que existem outros grãos de areia, sabemos somar, subtrair, dividir e multiplicar, acho que não há mais nada a se saber. Podemos agora aproveitar a vida e sermos felizes, como descobrimos ser o sentido da vida."
"És um tolo" respondeu Macrômegas "Tolo por pensar que de algo sabes. Já apagamos idéias anteriores mais que escrevemos novas, já descobrimos que milhões de teorias por nós criadas eram falsas, já suposemos muito e comprovamos pouco, já descobrimos que nossos dois sentidos muito nos enganam, além do mais, não temos a mínima idéia da natureza da nossa alma, tampouco da alma das outras coisas, o âmago."
Micrômegas silenciou-se inquieto.
Muito tempo passaram calados, mas logo voltaram às pesquisas e apagaram muitas idéias anteriores, descobriram muitas novas, considerando-se cada vez mais tolos por outrora ter acreditado em tão fúteis idéias. Muito conseguiram inventar: Sobre as coisas físicas, descobriram quase tudo, mas sobre a natureza metafísica, muito pouco, talvez nada.
Alma... Que tolice, descobriram serem apenas uma membrana envolvendo um citoplasma, nada mais natural.
"Desisto" Suspirou certa vez Micrômegas "Não sei como penso, mas sei que penso sempre por meio dos meus sentidos. Acredito na existência de substâncias imateriais e até inteligentes; duvido, porém, que seja impossível a Deus comunicar o pensamento à matéria. Venero o poder eterno e não me compete limitá-lo; nada afirmo. Contento-me em crer que há mais coisas possíveis, para além do meu pensamento."
Tão sabias palavras puseram lágrimas nos olhos de seu já moribundo pai (afinal já vivia havia 15 minutos). Ambos choraram e sentiram-se sós, então, repartiram-se milhões de vezes, criando uma sociedade completa. Acabaram brigando e separando-se, dividindo também a sociedade que criaram, Macrômegas tornou-se rei no norte; Micrômegas, imperador no sul.
Certo dia, uma discussão entre seus vassalos provocou uma longa guerra. Os religiosos previram um Dilúvio, os cientistas diziam que iam eles mesmos destruir seu grão de areia com bombas atômicas e os loucos nada afirmavam, somente cavavam a própria cova. Os tolos, lutavam por uma causa desconhecida para um rei que nem ao menos conheciam.
Mas pouco teriam tempo para bobagens e guerras, pois perceberam que um imenso grão de areia se dirigia de encontro ao seu. Pensaram em enviar algo ao espaço para desviá-lo de sua rota e assim fariam, uniram seus impérios na pequena zona do grão de areia que permanecia com condições de vida (o resto todo fora devastado pela guerra) e selaram a paz.
Macrômegas e seu tristonho filho Micrômegas uniram-se e choraram. Falaram de muitas coisas que haviam descoberto enquanto distantes e muito se desculparam. Juntos, escreveram um livro que contava de tudo que sabiam. O conteúdo, exponho-lhes depois.
Quando enviariam a sonda ao espaço infinito para desviar àquele meteoro enorme, uma criança que brincava na caixa de areia na Terra engoliu um bocado de grãos, entre eles, o das bactérias. Macrômegas e seu filho foram afogados em um infinito oceano de saliva junto com todos seus familiares vibriões.
Não fora, afinal, um dilúvio; nem mesmo algo que os cientistas pudessem explicar. Até mesmo os dois grandes criadores daquela civilização de microorganismos foram pegos de surpresa. Ninguém entendera aquele armagedom inexplicável que os abateu. Foi um fim do mundo imprevisto e injustificável. Agora, não se perguntavam mais qual o sentido de suas vidas, pois nem mais as tinham.
Ainda hoje, mesmo com tudo que a "ciência" nos ensinou, não temos nem uma vaga idéia de coisa alguma. inventamos palavras e significados para as coisas que foram feitas o mais sem sentido possíveis. Aí está a sabedoria das duas bactérias. Estas, escreveram um livro todo em branco, sem palavra ou gravura alguma sobre a alma e o sentido de ser.

"Ah," respondi ao sujeito que me contou a história "eu já esperava que isso acontecesse". E fui chamado de louco.

.......................................................................................................................................................................