domingo, 27 de dezembro de 2009

textos

Infância

A falsa crença na eternidade inutiliza relógios
mera decoração em pulsos infantis.
No impulso de crescer, ora, crescem
-as crianças-
e guardam em caixas tristonhas sua eternidade alegre
viram a ampulheta, até então estática
então, céticos, cegos, senis,
contam o tempo batendo pernas de ansiedade
e medo da ampulheta parar novamente.


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Lembrança


Em uma tarde vazia, eu fazia planos de que já me esqueci, e me veio aquele cheiro (talvez perfume), por nem um segundo ficou e o tempo já parou. Franzi a testa, mordi os lábios, olhei pra cima tentando lembrar, mas não lembrei.
Nãããão! O tempo volta a passar e o cheiro simplesmente se vai sem me fazer recordar do que ou de quem era. Sorrio mesmo assim. Não sem antes dar um longo e quase doloroso suspiro.


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Madrugada




Atentos, os grilos e cigarras cantam
-para meus bons ouvidos-
sinfonias arrítmicas sem harmonia
A noite (quem sabe pra ouvi-los), aos poucos, silência

(a vida é quente e pesada debaixo do meu lençol)

Pesa, a vida, sobre meus ombros cansados
Cansa milhões de pobres mortais de tê-la
e ter de ouvir o silêncio noturno e as sinfonias patéticas
que tu, vida, nua em sentido, e as cigarras e os grilos
oferecem.

Viver cansa

Sentido



Queria que viesse - em certa tarde nublada - um Deus desses de "d" maiúsculo e voz grave abrindo o caminho entra as nuvens com seus raios de sol, e me encontrasse em um descampado, sozinho, esperando-o sentado em uma pedra.
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Provavelmente, em um primeiro momento, eu sentiria vergonha fronte minha visita. Iria me engasgar e falar um "oi" de modo enrolado, enrubescendo-me e provocando um paternal sorriso naquele "carão" do criador, que me estaria encarando lá de cima.
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Então, eu, ingênuo, pensaria em tudo aquilo de que iria reclamar pra Ele, talvez cogitando xingá-lo: Como podia ele, onisciente e onipotente, permitir as guerras, a fome, etc...? Mas logo após respirar fundo e ver os enormes e calmos olhos que encarariam-me, iria desistir de qualquer ofensa. A onisciência divina me envergonharia (ora, um onisciente sabe de nossos pensamentos), mas "Papai" me acalmaria:
-Tudo bem, meu filho... Agora diga-me, ou pense somente, por que me chamou aqui?
Eu responderia de forma direta:
-Err... Senhor Deus (ele sorriria, sem tom de deboxe) eu gostaria de saber o sentido da vida...
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Ele gargalharia alto e afirmaria que iria me mostrar.
Tudo sumiria.
Então, eu seria transportado para uma espécie de filme "use filtro solar", algo como um flashback de programa de TV. As coisas mais maravilhosas do mundo passariam pelos meus olhos: Flores, florestas, mares, animais, mulheres lindas, artes; as músicas mais maravilhosas possíveis alcançariam meus ouvidos. Tudo acabaria enquanto eu flutuava extasiado em meio àquilo tudo. Fim de espetáculo.
-Viu, filho, queres mais sentido que isto pra viver?
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Sorriria amarelo e responderia que estou satisfeito, mas minha insatisfação com sua resposta transpareceria à onisciência em meus pensamentos (e transpareceria a qualquer um em meu sorriso amarelo).
Deus me saudaria e se iria embora feito um imortalzinho qualquer, envergonhado do fato de que como qualquer mortal, não tem nem idéia do sentido disso tudo.
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Quem sabe um dia me encontro com ele (ou melhor, Ele) vou lá cobrar o porque de eu existir nessas madrugadas longas e nesses dias curtos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O prédio e Das Utopias

O Prédio

Passo todos os dias por um prédio
mas não reparo nele, NUNCA!

flagrei-me dia desses reparando
ora, senti pena:
O prédio não é belo nem feio - é cinza!
tive pena pela insignificância
de ser só mais um - e cinza

E ele olhou-me e reparou em mim pela primeira vez
e ,desconfiado de meu olhar cinzento,
sentiu pena de mim

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Das Utopias (Mário Quintana)

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

domingo, 13 de setembro de 2009

o cão e o alpinista

Havia, em minha rua (e há em quase todas) um cachorro vira-latas. Destes quase imortais, que têm uns dez apelidos diferentes. Amado pelas crianças e detestado pelos velhos ranzinzas e demais chatos, vivia perambulando pelo bairro (sem nunca se perder), comendo qualquer coisa e fazendo companhia aos mendigos. O que mais me chamava a atenção naquele cão era o fato dele correr atrás de carros.

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Ora, o carro está acima do cão na hierarquia das coisas mais perigosas, portanto, a lógica seria o cão fugir do carro, e não o contrário. Porém, esse animal dito irracional que morava em minha rua (ao qual eu chamava Batata, sem razão que eu me recorde) insistia em perseguir, em vão, automóveis vinte vezes mais pesados e potentes que ele, lutando pra capturar o incapturável. Creio que ele tenha morrido sem jamais alcançar nem ao menos o mais antigo fusquinha que pela rua passara.

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Conto agora, com a garantia de que a história agora contada terá uma intersecção interessante com a do cão, a história de um alpinista cujo sonho era subir o Everest:
Nasceu na minha rua e conhecia bem o cão, e após ter algum sucesso escalando montanhas, partiu com a promessa de retornar somente após escalar o monte mais alto do mundo.

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Voltou, o alpinista, dez anos após sua partida, completamente louco. Não sei de muito do que ocorreu-lhe fora da nossa rua, já que raramente dirigiu-me a palavra, mas sei que subiu o tão falado pico. Na verdade, as poucas palavras inteligíveis que dirigiu a mim após sua volta comprovaram o sucesso em sua escalada. Relato aqui, o episódio onde ocorreu nosso diálogo (ou seria monólogo?):
Saimos de nossas respectivas casas, eu e o alpinista, no mesmo exato momento, e vimos, ao mesmo tempo, o corpo de "Batata" estirado no chão. Não havia duvidas que não dormia, estava morto. Entreolhamo-nos, eu e o alpinista: Eu, curioso para saber sua reação; ele, com o habitual olhar descrente e cinzento. Abriu a boca de maneira estranha como se não falasse nada havia muito tempo e o ato de falar lhe fosse esquisito. "Feliz foi ele, que nunca escalou seu Everest. Eu, meu amigo (e agora já tinha um tom carinhoso - quase fraternal - na vóz), persegui durante dez anos um carro. E o alcancei. E sabe o quê?"
Balancei a cabeça negativamente me sentindo meio ridículo. Ele engoliu em seco com amargor, e continuou: "Porque não há nada pra fazer com aquela maldita montanha".

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O Mont Everest não é uma montanha, e ele não havia perseguido, de fato, um carro. Porém, não demorei a interpretar suas metáforas, e, assustado, entrei em casa com uma agonia que não passaria com a mera reflexão sobre aquilo que eu ouvira, desiludi-me com a falta de sentido da vida. Vi, pela janela, o alpinista caçando alguma utopia feito um cão atrás de carros, caminhando pelo bairro sem se perder, comendo qualquer coisa, acompanhando mendigos. Morreu um dia feito um cão, feito um ser humano, feito quem subiu o Everest.
E logo depois, desceu.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Desconfiaças

Se mesmo antes de nascer, pensássemos, ficariamos ainda mais tempo imaginando como é a vida, do que nós, vivos, imaginamos como é a ausência dela. Faríamos, de certo, suposições ainda mais vagas e incorretas

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Mundo Nu

Vim ao mundo nu e perdido
-com o perdão da ambiguidade-
e, pelado, apresentei-me às coisas
às quais nunca fui apresentado

Não me preocupo em compreendê-las
nem tenho mais por quês pra perguntar
é bobagem, na viagem à vida que fiz
compraram-me de ida e volta a passagem

Eu não sei de onde vim tão nu
e só aguardo a hora de voltar de paletó
perdido, espero que algo me compreenda
sem reciprocidade, é claro