quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vida e morte de João Ninguém

VIDA E MORTE DE JOÃO NINGUÉM



Já nascemos na sempre finita luta Darwiniana pela vida: A batalha por espaço, adaptação ao meio, comida, começa no eliminar de líquidos dos pulmões, logo depois de abandonar o cômodo útero e tomar uns "tapas" do médico, que é procedido pela primeira leva de ar que invade o corpo. A primeira batalha pela vida, é, para muitos, a derradeira. A morte não é só um medo, é o propósito da vida de todos: O principal objetivo da quase totalidade dos seres humanos é, por mais controverso que seja, evitar o fim da vida, ainda que nenhum tenha conseguido fazê-lo até hoje por mais de 131 anos.

 Todos os objetivos mundanos que nos são propostos pela sociedade (e normalmente aceitos por nós como indivíduos) praticamente desaparecem fronte a possibilidade de perder a vida. Abrimos mão de tudo: Diploma, dinheiro, família, amigos, ética. Menos da vida. Portanto, apesar de perseguimos certas coisas em nossa breve existência, essa labuta é limitada pelo nosso medo da morte e da solidão.

Mas, como supracitado, estou falando da maioria, não da totalidade dos seres humanos que habitam esse planeta.

João saía do consultório do médico. Era só mais um em meio ao caos urbano de uma cidade qualquer em um país qualquer, cheio de pessoas quaisquer que tinham um trabalho qualquer e marchavam feito zumbis entre os prédios carregando dinheiro e coisas que poderiam trocar por dinheiro, com o qual comprariam outras coisas que as manteriam vivas por mais tempo. João não era uma pessoa qualquer.

O homem de aparência comum costumava ser um deles, dos zumbis marchantes, até entrar naquele consultório. Havia seis meses que começara: Acordara um dia um pouco enjoado, e ao se olhar no espelho enquanto  lavava o rosto apressado, atrasado para um compromisso, se viu um pouco mais amarelado do que sempre fora. Em um mês estava amarelo como uma casca de banana e seis quilos mais magro. "O estresse do trabalho está me matando" pensava "vai passar...". Não passou e seis meses depois saia do consultório do médico qualquer com diagnóstico de câncer.

João ia morrer. Todos vamos, mas ele provavelmente morreria antes de quase todas aquelas pessoas teoricamente saudáveis que o circundavam naquela rua movimentada e não havia nada que pudesse fazer senão caminhar até o carro, dar a partida, ir para sua casa, jantar com a mulher e o único filho, dormir, acordar, lavar o rosto apressado, atrasado; olhar-se no espelho, amarelado; caminhar até o carro, dar a partida, ir para o trabalho, trabalhar, e depois caminhar até o carro novamente. E durante todo esse tempo, ele sabia, não pensaria nem ao menos um segundo em esposa, filho, dinheiro, carro, trabalho. Somente na morte. João não caminhou até o carro.

Sentou-se no primeiro café que encontrou e começou a pensar. O que devia fazer antes de morrer? Pensou em viagens, mas logo descartou a possibilidade por ser muito supérflua: De que adianta criar memórias que serão acessadas tão poucas vezes após a viagem. Após longos minutos de filosofia barata, percebeu que, de certa forma, o alegrava não precisar trabalhar para ganhar dinheiro. Nem de dinheiro para comprar bobagens que nunca usaria na vida (como uma esteira - por que diabos havia comprado aquela maldita esteira?) e outras coisas do dia-a-dia que o faziam sobreviver por mais tempo como comida e serviços de saúde. Não queria mais lutar por bobagens superficiais - e nem pelas profundas. O amor da mulher, do filho, dos amigos, ia-se com ele para o cemitério em alguns meses.

Percebeu, então, que todas as outras coisas - as dos outros - também iriam para o cemitério. Talvez não tão em breve quanto as dele, porém, todos partiriam: Nos próximos segundos, minutos, horas, anos... Todos iriam de certa forma, findar. Mesmo que deixassem algo para a posteridade, nas próximas dezenas, centenas, milhares ou milhões de anos a própria Terra desperdiçaria todo o trabalho humano ao acabar-se ela própria. Começou a divertir-se, por breves segundos, pensando em como lutamos em vão para estender uma existência na qual a principal meta é estendê-la. Era um... "como se chama..." pensava. "SIM! Um paradoxo!". A felicidade é uma das metas, mas não era A meta. A meta era a sobrevida! PRECISAVA escrever tudo isso num papel! Sim! Escreveria um livro, que seria amplamente divulgado, fariam teorias sobre ele, ganharia um prêmio nobel post-mortem! E todos saberiam de seu trabalho até que, por fim, felizes ou tristes, morreriam. Todos.

Empolgava-se e se desempolgava em seus devaneios, mas ao término do café amargo, a única conclusão que chegou é que não queria mais participar daquele paradoxo louco. Nesse momento teve uma situação psicológica ímpar: estava infeliz e satisfeito: Por saber que a felicidade era só um conceito humano abstrato e fútil, uma descarga de neurotransmissores que buscamos.

No dia seguinte, no jornal local, anunciava-se a morte de um homem. Um suicídio filosófico, sem depressão, sem psicose. Com câncer, mas não como causas mortis (ou seria?)
No meio do século seguinte estavam todos mortos das mais variadas causas. E, se vivo, ele sorriria no túmulo e diria em tom repressor: "eu avisei!"

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