Medicina Baseada em Evidências e o Sentido da Vida
Há milhões de artigos médicos disponíveis para a leitura, tanto na internet como em livros e revistas. Ninguém em sã consciência os leria, pois além da terminologia dificílima, não são de grande utilidade para a população em geral. Porém, assim como há pessoas que comem grilos e até cobras, há seres perambulando os corredores dos hospitais que apreciam um artigo científico: Eles sabem que o conhecimento que possuem de experiência própria não se compara àquele que adquirem ao estudarem, através dos artigos, todas as evidência que os leva a fazer certo tratamento, procedimento diagnóstico ou a dar um determinado prognóstico aos seus pacientes. Estes seres tem nome e sobrenome: Bons Médicos.

Roberto (ou Dr. Roberto, ou até mesmo MD PhD Roberto) era um desses homens: Dedicado à profissão como poucos, estudava todos os dias, atendia seus pacientes e ainda dava aulas. Não tinha isso como um sacrifício: Era o seu dever como médico. Todos os pacientes que passaram em suas mãos receberam o melhor diagnóstico, o melhor tratamento e tiveram o prognóstico mais preciso possível. Todos ficaram o mais saudáveis possível (ainda que, muitas vezes, o mais saudável que se pode estar seja morto) após suas intervenções baseadas em evidências.
Dr Roberto, um dia, adoeceu. Novo, cinquenta e cinco anos; estilo de vida saudável, caminhava e nadava semanalmente. Mas o legado de hipertensos e diabéticos com complicações cardíacas precoce que dizimava os ascendentes da família materna antes dos 60 anos o pegou. Roberto morreu aos 57 anos, após seu terceiro infarto agudo do miocárdio. Todo seu conhecimento morreu ali, naquela enfermaria sombria onde passara os últimos meses de sua vida. Tudo o que lera, aprendera, ensinara acabava ali, no corpo frio sobre a cama fria. Em seu último pensamento ainda questionou-se se jogara sua vida fora estudando. Felizmente morreu antes de se responder.

-Doutor Roberto, foi tudo em vão.
Anos depois (talvez 50), seus pacientes todos morreram, das mais variadas formas. Pouco importava os anos de sobrevida que tiveram após o atendimento do doutor. Pouco importava o que aprenderam, ensinaram, sorriram e choraram depois. Estavam todos mortos, e não recebiam nem davam nada a ninguém a não ser a tristeza de não existirem mais aos que ficaram.
-E as consultas foram vãs.
Muitos e muitos anos passaram e todo o conhecimento deixado por ele, após ser usado de alicerce para conhecimentos ainda mais sólidos, desmoronou e ficou esquecido.
-E os artigos foram em vão.
E no fim nada mais restou do Dr. Roberto e qualquer ação realizada por uma célula aderida a seu organismo foi irrelevante para o andamento do universo. Pouco importava a regulação hormonal que jorrou em seu corpo e o fez feliz ou triste durante a vida; pouco importavam as numerosas conexões elétricas neuronais que ele chegou a ter um dia. Pouco importava tudo: Estava morto e esquecido, como tudo um dia há de ser.
