domingo, 21 de novembro de 2010

a mais bonita das coisas

este texto é de mais interesse da minha família, mas os demais leitores, sintam-se à vontade para lê-lo.

A MAIS BONITA DAS COISAS

O telespectador que pega o filme no momento em que o mocinho morre, não chora ao vê-lo morrer. A toda arte que quer impressionar ou comover é necessário um contexto: ver o mocinho conhecendo a mocinha, saber de suas façanhas, suas forças e fraquezas são pré-requisitos para chorar ao vê-lo em seus últimos momentos. É preciso saber a importância de um fato antes de ser, por ele, comovido a ponto de derramar lágrimas. A mais bonita das coisas sempre precisará de um contexto bonito para tornar-se - com o perdão da repetição - bonita, a mais. Por isso faço-lhes essa introdução breve antes de transcrever algo que recentemente li e me emocionou bastante, sendo à partir do momento em que li, a mais bonita das coisas. Não a história que contarei, nem mesmo o texto, e sim aquele meu momento, só eu e um papel impresso por um tio meu. O proológico passado me deu subsídio para chorar e para assim considerá-la: A mais bonita.

Minha mãe, Isabel Cristina, é a mais nova dos cinco filhos da dona Leda (Maria de Lourdes) e do Seu Hélio (o qual não tive o prazer de conhecer). Entre ela e seu irmão mais velho, Airton, há 18 anos de diferença. Como é de se imaginar, ela era o xodó dos mais velhos, apesar de que quando nasceu, nem o Airton nem a Miriam morarem na casa dos pais (imagino eu). Nasceu e cresceu em Santa Maria, em meio aos irmão e vizinhos. Eles não eram ricos. Talvez não fossem necessariamente pobres, mas sonhar com um futuro maravilhoso, com toda a família morando em Florianópolis era um sonho demasiadamente grande para a família interiorana do "milico" e da dona-de-casa (meus avós).

Porém, ao contrário do que possa parecer, meu texto não tem minha mãe como atriz principal, o mocinho é meu tio.

Não vou mentir, entre meus tios por parte de mãe, o que eu menos tive contato é o tio Airton, talvez pela distância geográfica entre o córrego grande e o estreito, talvez por ser novo demais e não compreender um homem tão complexo como ele (e isso absolutamente não quer dizer que gostasse dele menos que dos outros). Lembro que sangue italiano não só corria em suas veias, mas saltava por seus olhos, transparecendo no gestuário exagerado, na forma de falar, era um "gaúcho italiano" típico. O pouco que conheço de sua riquissima história fala de viagens incríveis, conquistando amigos em todos os cantos com seu carisma inigualável.
E lá de Santa Maria, da simplicidade da família e da vizinhança, o baixinho tio Airton foi ganhando o mundo com seu jeito divertido e exagerado. Formou uma família linda na ilha mais linda do sul do Brasil. Me lembro das festas, dos churrascos no tio Airton e na vó Leda, onde sua presença contando piadas e "causos" era primordial. Sempre o vi como um homem agregador, e acima de tudo, um homem forte e confiante. Apesar de ser baixinho, era um gigante. Era aquele que fazia todos rirem, e, logo depois, todos chorarem. Era um artista.
Um dia, eu, pequeno, assistia televisão quando fui surpreendido por uma notícia: O tio Airton tem câncer. Eu não sabia muito bem o que isso significava na época. Mas passou. E passaram-se anos em segundos, e aquela doença voltou e o levou. Levou um homem saudável, forte, querido, com uma facilidade incrível, trazendo enorme sofrimento para todos amigos e família. Levou meu tio, antes mesmo que eu pudesse desvendar aquele homem incrível.

Não posso reclamar que não tive a chance de me despedir dele, porque um dia eu assistia televisão na casa de minha tia, Miriam, e ele, já levemente debilitado, conversava comigo amigavelmente, e riamos juntos. E pensei "poxa, como o tio Airton é legal, como as histórias dele são interessantes, eu poderia passar horas, dias, ouvindo ele". E então, totalmente fora de contexto, ele disse:
-Tu sabes que eu te amo né guri.
Eu reagi com espanto. Ele continuou :
-Apesar de não termos muito contato, espero que tu saibas que eu te amo, que eu gosto muito de conversar contigo...

Claro que as palavras exatas não foram estas, porque minha memória não me permite lembrar com extidão. E respondi com muita sinceridade que o amava também.
E quando cheguei em casa e me encontrei sozinho em algum momento do dia, chorei calado. Chorei antecipadamente a falta que o tio me faria. Foi uma despedida silenciosa, mas não menos triste. Porém, ele ainda voltaria para se despedir de mim algumas vezes:

O reencontrei em meu quarto esses dias: Minha mãe, revirando suas lembranças materiais, encontrou um papel, o qual já citei acima. O papel continha letras de computador impressas e uma foto, a qual anexarei a esse texto. Apanhei o texto e o li sozinho, em meu quarto. Eu sou chorão, como ele, e no meio do texto já tinha que fazer pausas para secar as lágrimas. Após ler, chorei durante minutos, talvez uma hora. E me emociono a cada momento que relembro daquele texto, da mais bonita das coisas do mundo, assinado pelo simples "codinome" Airton.

O conteúdo, transcrevo na íntegra nas linhas abaixo, não sem antes deixar minha tristeza registrada aqui, pela falta que me faz o meu tio, meu amigo que eu amava. Pela falta que me faz esse "Big Fish" de Santa Maria. Espero que haja algo de Tio Airton aqui na Terra, um pedacinho dele em cada um de nós, que o que ele fez em vida ecoe, como ecoa em mim, agora, escrevendo, como ele próprio escrevia (é claro que o faço com menor qualidade, mas dêem um desconto, ainda sou novo).

Me emociono com a importância dedicada a mim (apesar do texto dele falar da minha mãe), uma criança, dedicada por um homem tão importante e sábio. Não me sinto merecedor de tamanha homenagem, e ofereço esse texto como um proólogo para o seu, tio. Um proólogo mais longo que o próprio texto, e que não está a altura do mesmo, mas que tem a sinceridade de uma criança. De uma criança que tira uma foto em frente a uma loja de brinquedos, com a mãe.

Agora que já considero o leitor leigo, no caso, aquele que não conhece minha família, devidamente ambientado e contextualizado, permito que leiam exatamente o que li:

TUA FOTOGRAFIA

Era uma menina e estava parada numa calçada qualquer de Nova York. Não sorria, mas não estava triste. Abraçava um menino bem menor, de cabelos dourados que também não sorria mas demonstrava a tranqüilidade de quem estava seguro e protegido.

O menino talvez sonhasse, pois estava em frente a uma loja de brinquedos, segundo o que sei, uma das maiores lojas de brinquedo do mundo (interessante como Nova York gosta de ter as “maiores e melhores” coisas do mundo, enquanto que um simples pôr-do-sol é infinitamente maior que qualquer coisa grande ou “maior ou melhor”.).

Ocorre, no entanto, que a menina que abraçava um menino menor, fora também uma menina menor e também deve ter parado em frente a lojas de brinquedo. Naquela época, essa menina talvez sonhasse bem menos, bem pouco talvez... Brincava com coisinhas simples, pequenas bonecas, carrinhos de vime pintados para suas bonequinhas dormirem, aquecidas por pedaços de toalhas feito cobertores. Creio que ela cuidava bem das suas bonecas, dos seus brinquedinhos simples, dos seus sonhos bonitos de menina.

Nova York parece fria e indiferente para aquela menina e aquele menino menor, abraçados, frente a uma grande loja de brinquedos. Mas o que é, afinal, a grande loja, perto dessas duas crianças abraçadas? É apenas um prédio enfeitado, frio e apelativo, buscando dólares com os quais, às vezes, compramos sonhos caros em Nova York.

Displicente, um homem passa pela rua, olha a loja, e nem percebe uma menina maior abraçada num menino menor.

E nem todo o esplendor de Nova York ou da loja de brinquedos maior do mundo, tem o mínimo valor, perto das batidas dos corações da Menina-Mãe e do Menino-Filho, abraçados, frente a uma loja de brinquedos, num dia qualquer, no centro de Nova York.

Para Thí e Tite

7 comentários:

Elisa Bertuol disse...

imagina se eu nao chorei com isso! lindo, Thi! e tu escreve tão bem quanto ele, queria ter esse mesmo dom de voces. beijo

MARLI BERTUOL disse...

THI!ÉS SURPREENDENTE!HERDASTE A VEIA DE ESCRITOR DO PAULO.TAMBÉM ME FIZESTE CHORAR...DÁ MUITA SAUDADE!ÊLE ERA ISSO AI:SABIA AMAR E SER AMADO!NOS FAZIA RIR MUITO E CHORAR ATÉ HOJE...!UM GRANDE BEIJO E OBRIGADA MEU QUERIDO!TIA MARLI

Cacá disse...

Muito lindo!!! Com certeza seu tio esta vibrando com suas palavras! E eu me acabei de chorar, no meio do trabalho... A saudade apertou muito, pois você retratou ele muito bem. Senti ele bem pertinho quando li seu texto. Muito obrigada por esse carinho com meu pai. Beijos!!!

Unknown disse...

Thi
Escreveste a essencia do Pai. Agora que ja consegui me recompor hehe, consigo escrever um simples comentario: MUITO BOM! E creio q citasse um filme que retrata totalmente o pai...
Acho q tu fez uma sintese da falta que ele fez e faz para todos nos...
Mas lembrando q ele deixou um legado bom com as estórias dele.
Um abração

Marina Bousfield disse...

me arrepiei, de novo, lendo!

Tato Skin disse...

Nossa cara, isso é amor.

Unknown disse...

A melhor coisa é viver contigo, lindo e surpreendente, sempre. beijos, te amo!